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Atos recentes de intolerância escondem disputa pela hegemonia religiosa no País | Entrevista com Jor


Nos últimos meses o Brasil foi surpreendido por uma onda de intolerância religiosa tão violenta quanto assustadora. Autoridades e boa parte da mídia rotularam estas ações como “casos” de polícia.

O professor Jorge Miklos, pesquisador sênior do grupo Mídia e Imaginário, discorda dessa interpretação simplista e avalia estes casos como resultado de uma disputa renhida pela hegemonia religiosa no País, que hoje conta com 22,2% de fiéis evangélicos e 64,6% de católicos, de acordo com o último censo do IBGE.

“Alguns grupos de religiosos evangélicos traçaram já há alguns anos uma estratégica de conquistar a hegemonia na cena religiosa brasileira. Estes entendem os demais grupos religiosos como rivais e, por isso, desfecham ataques físicos e discursivos contra eles”, revela Miklos, que também é graduado em História, Ciências Sociais, Doutorado e pós Doutorado.

Nesta entrevista, Miklos revela o que de fato está por trás destas ações religiosas intolerantes, explica porque o alvo preferencial são as tradições afro-brasileiras e revela qual o impacto possível da recente decisão do STF sobre estas ocorrências.

A quais fatores podemos atribuir estes ataques recentes de evangélicos a membros e templos de outras religiões, sobretudo as de origem africana?

Alguns grupos de religiosos evangélicos traçaram já há alguns anos uma estratégia de conquistar hegemonia na cena religiosa brasileira. Alguns propõem “fazer do Brasil uma nação evangélica”. Esse projeto é alimentado pela fenômeno da população evangélica crescer, em ritmo acelerado no Brasil chegando a mais de 42 milhões de fiéis e, atualmente, isto é, 22,2% da população brasileira, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar desse crescimento, o Brasil ainda é a maior nação católica do mundo em números absolutos, atingindo a casa de 123 milhões de católicos, ou seja, 64,6% da população. Nem todos os evangélicos buscam essa hegemonia, mas aqueles que a desejam entendem que os outros grupos são rivais e, por isso, desfecham ataques físicos e discursivos contra eles.

Por que o candomblé e a Umbanda são os alvos preferências destes intolerantes evangélicos?

A religião se torna um tema na agenda desses grupos porque as crenças religiosas tornam-se um pretexto para que algumas pessoas adotem determinada atitude em relação às outras, como servi-las ou dominá-las. As religiões afro-brasileiras, por não estarem inscritas modelo cristocêntrico hegemônico são associados no imaginário cultural brasileiro a formas atrasadas de culto, seitas diabólicas, entre outras leituras distorcidas e redutoras desta espiritualidade. Esse segmento foi e é hostilizado por conta do preconceito e do racismo que ronda

a sociedade brasileira.

Historicamente, no Brasil, já tivemos casos semelhantes?

Sim. Na maior parte da história do Brasil as tradições espirituais de matrizes africanas foram proibidas, segregas e criminalizadas pela elite dominante apoiada pela hegemonia católica. As tradições afro-brasileiras foram duramente perseguidas pelas delegacias de costumes até a década de 60 do século XX. A Igreja Católica, sempre ocupou espaços na imprensa e usou esse lugar privilegiado para construir uma representação negativa e pejorativa das religiões afro-brasileiras vinculando-as com o atraso, a marginalidade, a incultura. Até hoje para muitos “macumba” é um termo compreendido por muitos como uma ação que procura fazer o mal a uma pessoa, por exemplo.

A mistura de política e religião, cada vez mais constante e exacerbada, contribui para esta onda de intolerância?

A mistura entre política e religião sempre ameaça a democracia. No Congresso Nacional formou-se a articulação de uma Frente Parlamentar Evangélica, conhecida como Bancada da Bíblia que reúne aproximadamente 200 parlamentares. Qual o grau de tolerância religiosa desses congressistas? Eles toleram que um cidadão brasileiro não considere Jesus como o seu único e verdadeiro salvador? Se um brasileiro pertencente ao candomblé não pode andar na rua sem medo, a democracia não é completa.

Na sua avaliação. a decisão de STF quanto ao ensino religioso pode melhorar ou piorar esta situação?

Não sou jurista e, portanto, falo como pesquisador e cidadão. Minha avalição é que essa medida pode ser muito ruim para a democracia e para o pluralismo cultural na medida em que aceitou que o ensino religioso fosse de natureza confessional e que líderes religiosos tenham autorização para ministrar aulas. Corre-se o risco que não seja educação, mas sim doutrinação. Além disso, nossos jovens precisam de uma formação crítica, científica até para poderem se proteger de doutrinações e manipulações.

A presença marcante dos evangélicos na mídia eletrônica, sobretudo da corrente neopentecostal, é o mote da expansão deste segmento religioso em todo o País e, de alguma forma, tem relação com esta onda de intolerância e violência?

Não há dúvida de que há uma estreita relação entre a presença dos evangélicos neopentecostais na mídia eletrônica (rádio e TV) e a expansão e o crescimento desse segmento na sociedade brasileira. Os meios de comunicação graças ao uso de muitas técnicas persuasivas conseguem a industrialização do espírito, ou seja, penetrar e colonizar a mente humana. Dessa forma, as igrejas com seus programas televisivos e/ou radiofônicos conquistam fiéis moldando valores. A maior parte das igrejas neopentecostais presentes na mídia seguem a perspectiva teológica exclusivista que defende que a posse da verdade é exclusiva do cristianismo e sem ela o fiel não atinge a salvação. Trata-se de uma postura que atualmente atinge setores fundamentalistas e conservadores e que, portanto, inviabiliza o diálogo e a tolerância.

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